Considerando o cenário atual, em que vivemos em uma sociedade que se orienta a partir de informações e rastros digitais deixados na internet, os profissionais da área de recursos humanos sabem que o tratamento de dados na relação de trabalho antecede à efetiva contratação, inclusive.
Ao refletirmos sobre isso, é possível identificar que um candidato a vaga de uma empresa tem seus dados coletados já na fase pré-contratual por meio das fases de seleção e recrutamento, em que comumente é possível verificar pelo recrutador questões relacionadas ao estado civil; planos futuros sobre maternidade e/ou paternidade; existência ou não de alguma prática religiosa ou filiação partidária e sindical, por exemplo.
Uma vez contratado, isto é, na fase contratual, a empresa novamente efetua a coleta de dados pessoais, tais como dados biométricos, seja para o exercício do controle de jornada, seja para questões de segurança para ingressar em suas dependências. Nesta fase contratual, é importante ressaltar que a coleta de dados muitas vezes não se restringe ao empregado, mas também aos seus familiares, como conjuge, filhos e seus dependentes perante o INSS.
Acontece que tais dados são utilizados como base de análise dos algoritmos, objeto do presente artigo, e que pode trazer prejuízos de ordem moral e ética às partes caso a empresa não tenha um olhar atento às práticas e uso das tecnologias na relação de trabalho, pontos estes que serão a seguir abordados.
Quando falamos em coleta e uso de algoritmos pelas empresas de potenciais candidatos e empregados, primeiro faz-se necessário definir o que é algoritmo e como ele é utilizado.
TURING, um renomado matemático que inventou uma máquina teórica que se tornou o conceito-chave de toda a Ciência da Computação, “concebeu um algoritmo como sendo um processo ordenado por regras, que diz como se de proceder para resolver um determinado problema. Um algoritmo é, pois, uma receita para se fazer alguma coisa” 1.
Com a análise de dados por meio dos algoritmos é possível se obter previsões de situações em razão da padronização gerada pelos algoritmos, como forma de auxiliar a verificação do profissional, que neste caso é o responsável pela seleção e recrutamento de candidatos, para a “melhor tomada de decisão” no momento da escolha do “candidato ideal” para a vaga.
E em quais pontos práticos os algoritmos poderão auxiliar as empresas nas contratações e também nas demissões? Aqui exemplificamos algumas situações:
a) Por meio do cruzamento de dados é possível traçar os perfis psicológicos dos habitantes de um bairro, da cidade, do Estado e até mesmo de um país, a depender da vaga oferecida pela empresa;
b) A empresa poderá obter dados dos trabalhadores por meio de reconhecimento facial, forma de olhar, tom de voz, por exemplo, dados esses que poderão ser determinantes para a tomada de decisão para um entrevista de emprego, ou não;
c) A empresa tem maior facilidade de verificar com base nos algoritmos relacionados à saúde, tal como o tipo genético se aquele candidato tem maior ou menor probabilidade de adoecer, fator este que muitas vezes é determinante para uma contratação;
d) Com base em seu banco de dados dos colaboradores ativos, a empresa também consegue gerenciar as condições físicas dos seus empregados, tais como: pressão sanguínea, batimento cardíaco, dentre outras informações que são fornecidas pelo chip implantado em seus empregados, prática esta já existente em alguns países na Europa, tal como a Suécia 2 ;
e) Por meio da instalação de câmeras termais será possível as empresas obterem um histórico mais detalhado de seus colaboradores, especialmente do ponto de vista comportamental;
Com base nos exemplos acima elencados, dúvidas não restam acerca das diversas formas de possibilidades de obtenção dos dados pessoais e sensíveis dos trabalhadores pelas empresas. Diante disso, o que se questiona é: os trabalhadores serão avaliados como realmente são ou como os perfis deles são apontados pelos algoritmos? A análise acerca das chances de promoção em uma determinada empresa levará em consideração apenas os cursos de qualificação e situação familiar, ou também as competências emocionais, atualmente chamadas de soft skills?
Tais questionamentos se fazem necessários pois se o tratamento do dados do trabalhador provier, exclusivamente de um algoritmo, sem a participação de um ser humano, há grandes chances de ocorrer uma análise estática das informações, sem a dose da sensibilidade, com potencial de gerar discriminação.
Tal assertiva foi colocada à prova no conhecido caso da empresa Amazon, em que decidiram utilizar, exclusivamente, a inteligência artificial na fase de seleção de currículos para a contratação da vaga de engenheiro. Ao final da seleção, se verificou que os algoritmos tinham excluído todos os candidatos do sexo feminino, em nítido viés preconceituoso, pois estava se embasando em cálculos matemáticos e não éticos. Após o ocorrido, a Amazon optou por abandonar a ferramenta de recrutamento.
É tão impactante na relação de trabalho o uso indiscriminado pelas empresas de ferramentas de recrutamento sem o devido conhecimento e preparo para tal, que a discriminação do algoritmo pode ocorrer também na fase de demissão, vindo a afetar profissionais que possuem excelente nível profissional, mas, por razões diversas não se “encaixam” mais no perfil admitido pelo algoritmo daquela empresa.
Neste cenário, podemos citar como exemplo o caso da empresa Xsolla 3 que demitiu 150 empregados com base exclusiva na determinação de um software, que os considerou “improdutivos” e “pouco eficientes”. Este caso ficou mundialmente conhecido como “150 demissões em 1 segundo”, visto que, além de impactar negativamente diversas famílias, o mais surpreendente se deu pela declaração do diretor-executivo e fundador da empresa que discordava em parte da conclusão do software, já que considerava “bons” a maioria dos profissionais, mas precisou se curvar em manter as demissões em razão de políticas internas da empresa.
E não é só. A análise do algoritmo das informações utilizadas na fase demissional de um trabalhador, poderá servir como base para futuros outros processos seletivos não somente daquela empresa, mas de tantas outras, já que as informações estão no Big Data, o que torna o cenário ainda mais preocupante.
Diante de tanto, embora diversas empresas de tecnologias estejam trabalhando de forma árdua para trazer inovações e automação para as empresas, como uma tentativa de facilitar e simplificar os
processos de recrutamento, bem como análise de desempenho dos trabalhadores, fato é que, ainda se faz imprescindível a análise conjunta com o ser humano. Inquestionável o impacto da tecnologia no mundo do trabalho, mas necessário que se tenha cautela na análise dos dados pelos empresários e profissionais da área de recursos humanos, já que os algoritmos apesar de avançados do ponto de vista tecnológicos, não possuem – e muito provavelmente não possuirão – a congnição humana, fator este determinante para o sucesso de uma relação interpessoal, especialmente quando estamos falando da relação de trabalho.
1 ESTRADA, Manuel Martin Pino. Direito, Tecnologia e Trabalho. A discriminação de trabalhadores pelos algoritmos. In: Vidigal Viviane, Krost Oscar (Coords.). Leme/SP. Ed. Mizuno. 2022. pg. 135.
2 https://cantarinobrasileiro.com.br/mais-4-mil-suecos-usam- chips-sob-a-pele-para-fazer-pagamentos-abrir-portas-e-ate-comprar-alimentos/ (acesso em: 08.07.24).
3 https://brasil.elpais.com/tecnologia/2021-10-10/150- demissoes-em-um-segundo-assim-funcionam-os-algoritmos-que-decidem-quem-deve-ser- mandado-embora.html (acesso em: 08.07.24)