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Não é novidade que, nos últimos anos, o setor imobiliário brasileiro cresceu vertiginosamente, com o surgimento de novos empreendimentos que bateram recorde de vendas. Esse boom imobiliário afetou diversas esferas da sociedade, pois implicou em inúmeros outros acontecimentos: supervalorização do preço dos imóveis, aumento do aluguel, aumento do número de contratos de crédito para a compra de imóveis, que, em 2013, chegou a superar o de crédito pessoal etc.
O Poder Judiciário não ficou de fora e também acabou sofrendo os efeitos da explosão de vendas de novas construções. Muitos foram os consumidores que, sentindo-se prejudicados, passaram a acionar judicialmente as construtoras, a fim de rever diversas questões contratuais, o que gerou um aumento proporcional no número de demandas em decorrência desse fato.
Um dos temas mais recorrentes veiculados nessas ações judiciais diz respeito à validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem e a taxa de assessoria técnico-imobiliária (SATI). Enquanto a comissão de corretagem corresponde à contraprestação paga pelo trabalho do corretor que realizou a venda, a taxa SATI constitui uma remuneração, correspondente a 0,8% sobre o preço do imóvel, aos advogados da construtora, pelos serviços de elaboração do contrato de compra e venda, consultoria, esclarecimentos de dúvidas contratuais formuladas pelo consumidor adquirente etc.
Decisões proferidas em primeira e segunda instâncias, que declararam inválidos os repasses dessas cobranças ao consumidor, impulsionaram ainda mais o volume de processos sobre o mesmo tema. A solução definitiva, contudo, deve ser dada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corte responsável pela uniformização do entendimento acerca de legislação federal em todo o território nacional.
O STJ, ao identificar um grande número de recursos versando sobre uma mesma questão de direito pode, por meio da técnica denominada julgamento de Recursos Especiais Repetitivos, pacificar o entendimento da matéria controvertida, cuja solução deve ser observada por todos os demais órgãos do Poder Judiciário. Nessa técnica, o mérito recursal é julgado por amostragem, após seleção, feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal local (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal), de dois ou mais recursos que representem adequadamente a controvérsia. Os recursos selecionados são, então, enviados ao STJ, e, nesta Corte Superior, são afetados para julgamento, com a suspensão da tramitação dos demais recursos que versem sobre a mesma matéria.
No caso específico da cobrança da comissão de corretagem e da taxa SATI, a suspensão, em todo o país, das ações em trâmite versando sobre o tema, foi determinada em 18/12/2015, nos autos da Medida Cautelar 25.323/SP. Assim, todos os consumidores que ingressaram em juízo para discutir a validade da cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a comissão de corretagem e a taxa de assessoria técnico-imobiliária, tiveram suas ações suspensas, ficando obstados quaisquer atos processuais até o julgamento do recurso repetitivo.
No último dia 24 de agosto, o STJ finalmente pacificou a questão, reconhecendo como válida a comissão de corretagem paga pelo consumidor, mas como abusiva a taxa SATI.
Segundo o entendimento proferido pela Corte, o fato de a incorporadora terceirizar o serviço de comercialização para profissionais do setor, não causa prejuízo para o adquirente do imóvel, podendo a comissão de corretagem ser repassada ao consumidor, desde que a cláusula contratual que imponha esse pagamento ao comprador seja clara e transparente, com os seus valores devidamente destacados.
Por sua vez, no tocante à taxa SATI, entendeu-se pela abusividade da cláusula que a repassa ao consumidor, por não ser considerado autônomo o serviço jurídico. Dessa forma, reconheceu-se que a cláusula contratual que transfere ao consumidor a obrigação de pagar a taxa de assessoria técnico-imobiliária é nula, de pleno direito, conforme estabelece o art. 51, do Código de Defesa do Consumidor.
Embora o entendimento firmado acerca da taxa SATI mereça aplausos, o mesmo não ocorre com relação ao que restou decidido em relação à comissão de corretagem.
Ora, da mesma forma que o pagamento da taxa SATI não pode ser repassado ao consumidor, a comissão de corretagem também deveria ser de responsabilidade da incorporadora. Ambos os serviços são contratados pela empreendedora, visando resguardar seus exclusivos interesses.
No que se refere à da comissão de corretagem, é nítido que o serviço prestado pelos corretores é prestado em benefício da construtora. Além disso, os consumidores interessados em adquirir um imóvel, em regra, não procuram pelo corretor, mas sim pelo stand de vendas da construtora/incorporadora, o que demonstra que não precisariam de nenhuma intermediação para se decidirem pela aquisição das unidades, pois têm a iniciativa de buscar pelo empreendimento, tão somente em razão da sua localização, do estado da obra e das características do projeto.
O mesmo se diga sobre a taxa SATI. A assessoria técnico-imobiliária é contratada pela construtora/empreendedora para cuidar da documentação do comprador e de todo o processo para efetivação do financiamento bancário. O pagamento de tal serviço não pode ser repassado ao consumidor, pois resguarda os interesses exclusivos da vendedora, já que tais procedimentos resultam em garantia do negócio.
O entendimento proferido pelo STJ acerca dessas matérias chega a ser contraditório em si mesmo, uma vez que ambos os serviços são contratados pela construtora, não podendo ser repassada ao consumidor a responsabilidade pelo pagamento das remunerações devidas a terceiros alheios à relação jurídica estabelecida entre a vendedora e o comprador.
Infelizmente, os consumidores que tiveram suas ações suspensas e aguardaram praticamente o período de uma gestação para que a questão fosse pacificada pelo STJ, terão seus pedidos julgados parcialmente procedentes, com o reconhecimento da invalidade da cobrança da taxa SATI, mas, por outro lado, com o reconhecimento da validade do repasse da comissão de corretagem. É que, como se disse, a tese firmada pela Corte Superior deve ser aplicada a todos os demais processos que estiverem suspensos no país.
O julgamento de recursos repetitivos é sistemática que, inegavelmente, resguarda os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Contudo, para que sejam efetivamente alcançados seus objetivos, a fixação da tese a ser seguida por todos os tribunais do país deve ser coerente com o ordenamento jurídico vigente. E, indiscutivelmente, nesse caso específico, o entendimento firmado acerca da comissão de corretagem contraria direitos do consumidor, previstos na Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor).
Por Lilian Regina Ioti Henrique Gaspar, advogada, especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e sócia do escritório Henrique & Gaspar Sociedade de Advogados.
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