Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

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Que a máxima popular “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” não tem validade para o Poder Judiciário, todos já sabem. É absolutamente conhecido o papel da Justiça nas ações que envolvem direito de família (divórcio, guarda de filhos, pensão alimentícia etc.).

A novidade – que, é bom que se diga, em debates doutrinários e na prática Judiciária, já é antiga – está na possibilidade de o Estado-juiz intervir, se provocado, nos casos em que um dos cônjuges tenta fraudar a partilha dos bens do casal, valendo-se da pessoa jurídica da qual é sócio, quando se vê diante da iminente dissolução do vínculo matrimonial.

A realidade acima descrita é mais comum do que imaginamos e ocorre da seguinte maneira: um empresário, temendo o término do casamento, transfere a maior parte ou até mesmo a totalidade dos seus bens, para a pessoa jurídica da qual é sócio, impedindo que, diante de uma eventual partilha, a esposa tenha direito sobre eles.

Esse cenário evidencia a tentativa de fraudar os direitos da esposa e autoriza o Poder Judiciário a intervir, desde que provocado, para atingir a pessoa jurídica da qual é sócio o consorte faltoso e tornar ineficazes os atos de má-fé.

Trata-se da chamada desconsideração inversa da personalidade jurídica, agora positivada no nosso ordenamento, no art. 133, § 2º, do Novo Código de Processo Civil.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica visa desconstituir, momentaneamente, a pessoa jurídica, a fim de atingir seu patrimônio para que os seus bens respondam por dívidas adquiridas pelo sócio. É exatamente o contrário do que ocorre na denominada desconsideração direta da personalidade jurídica, na qual se procura bens do sócio para responder por dívidas da sociedade, ao se afastar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

Diferentemente do que sucede com a desconsideração inversa, que, de forma originária, foi positivada em 2015 na lei processual (Novo Código de Processo Civil), a modalidade direta de desconsideração da personalidade jurídica já encontra previsão no direito material desde 1990, quando foi incluída no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), em seu art. 28. A partir daí, outras leis passaram a prever essa modalidade de desconsideração da personalidade jurídica, como a Lei Antitruste (Lei 8.884/94), em seu art. 18, e a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98), em seu art. 4º. Mas foi em 2002 que o Código Civil consagrou o instituto, em seu art. 50, impondo como requisito para a sua aplicação, a ocorrência de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.

Por ser medida a ser tomada em último caso, a desconsideração inversa da personalidade jurídica também só pode ser aplicada quando restar provado o desvio de finalidade da pessoa jurídica, ou a confusão patrimonial entre os bens do sócio e da sociedade.

O exemplo mais emblemático dessa modalidade de desconsideração da personalidade jurídica é exatamente a hipótese em que o cônjuge tenta fraudar a partilha de bens frente à esposa, mas pode ocorrer em qualquer outra situação em que haja transferência de patrimônio pessoal do sócio para a pessoa jurídica, com a evidente intenção de prejudicar credores, que ficam sem garantia patrimonial, ou quando o sócio, embora não tenha nenhum bem em seu nome, usufrui dos bens da empresa, como se fossem seus, evidenciando a confusão patrimonial entre a pessoa física e a pessoa jurídica.

Frise-se que, em qualquer dos casos, deve ficar provado o abuso e a intenção de fraudar terceiros, tendo em vista que, teoricamente, não constitui ilícito a transferência patrimonial ou a utilização de bens da sociedade.

A desconsideração, tanto em sua modalidade direta, quanto em sua modalidade inversa constitui tema de direito material, mas foi instrumentalizada com o advento do Novo Código de Processo Civil, que prevê, em seu art. 133, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. A partir de agora, há previsão expressa acerca do procedimento a ser seguido nos casos em que se evidencie a ocorrência de abuso da personalidade jurídica, culminando com a ineficácia da alienação ou da oneração de bens, havida em fraude de execução.

Interessante notar que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica está previsto no Título III, do Código de Processo Civil, que trata da intervenção de terceiros. É que, uma vez aplicado o instituto da desconsideração direta da personalidade jurídica, o sócio, que, originariamente, não era parte no processo, mas sim terceiro, passa a ser atingido. Da mesma maneira, sendo o caso de aplicação do instituto da desconsideração em sua modalidade inversa, a pessoa jurídica, terceira estranha ao processo, passa a ser parte, ao responder com seus próprios bens pelas dívidas adquiridas pelo sócio.

A desconsideração direta ou inversa da personalidade jurídica também pode ser requerida na própria petição inicial, hipótese em que fica dispensada a instauração do incidente, pois o sócio ou a pessoa jurídica serão citados e, portanto, considerados partes do processo desde o seu início.

Por fim, prevê o art. 137, do Código de Processo Civil, que, acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente. Outro não poderia ser o desfecho, uma vez que devem ser preservados os interesses de credores de boa-fé.

Por Lilian Regina Ioti Henrique Gaspar, advogada, mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP e sócia do escritório Henrique & Gaspar Sociedade de Advogados.

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