Indenização pela Perda de uma Chance

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Embora não positivada no ordenamento jurídico brasileiro, a “teoria da perda de uma chance” – que surgiu na França, na década de 60 – tem sido largamente aceita e aplicada pela doutrina e jurisprudência pátrias.

Segundo essa teoria, aquele que vê frustrada uma oportunidade futura de conquistar determinada vantagem, ou de evitar certo prejuízo, deve ser indenizado.

Os exemplos a respeito do assunto são vastos, de modo que muitos julgados nos Tribunais de Justiça dos Estados, nos Tribunais Regionais Federais e também no Superior Tribunal de Justiça abordam a teoria da perda de uma chance, ora aplicando-a, ora afastando-a.

Um dos casos mais emblemáticos já analisados pelo Judiciário brasileiro refere-se ao programa Show do Milhão, veiculado, anos atrás, pela rede STB de televisão. Em um dos episódios do programa, uma participante chegou à pergunta que lhe renderia o prêmio de um milhão de reais. O questionamento, entretanto, não tinha alternativa correta e a participante, tendo percebido o erro, optou por não responder. Diante dessa atitude, ganhou, apenas, os quinhentos mil reais pelas repostas acertadas que tinha dado até aquele momento. Entendendo ter “perdido a chance de ganhar” um milhão de reais, socorreu-se do Poder Judiciário, pleiteando uma indenização no valor de quinhentos mil reais (diferença entre a que levou para casa e a que deixou de ganhar). Em primeira e segunda instâncias, houve a aplicação da teoria da perda de uma chance e a ação foi julgada totalmente procedente, com a concessão do pedido de quinhentos mil reais. No Superior Tribunal de Justiça, embora também tenha sido reconhecida a perda da chance, houve a diminuição da indenização para o valor de R$ 125 mil, pois, como a participante poderia escolher uma dentre quatro assertivas para responder à questão, esse valor seria o correspondente à sua real chance de acerto.

Outra situação muito interessante já apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça diz respeito à coleta de células-tronco embrionárias, no momento do nascimento. Referido procedimento consiste na coleta do sangue do cordão umbilical e de um segmento do próprio cordão, materiais estes que são processados e armazenados em um laboratório especializado, para que, na hipótese de necessidade futura, seja utilizado pelo próprio indivíduo para tratamento de saúde. Em um caso concreto, o pai contratou empresa especializada para fazer a coleta, mas, no momento do parto, não foi enviado nenhum profissional habilitado para realizar a tarefa. O caso chegou ao STJ, que decidiu pelo direito de a criança ser indenizada, com base na teoria da perda de uma chance. O Relator, Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, assim fundamentou seu voto, ao julgar o REsp 1.291.247-RJ:

“No caso, a responsabilidade é por perda de uma chance por serem as células-tronco o grande trunfo da medicina moderna para o tratamento de inúmeras patologias consideradas incuráveis, cuja retirada do cordão umbilical deve ocorrer no momento do parto.

É possível que o dano final nunca venha a se implementar, bastando que a pessoa recém-nascida seja plenamente saudável, nunca desenvolvendo qualquer doença tratável com a utilização das células-tronco retiradas do seu cordão umbilical.

O certo, porém, é que perdeu definitivamente a chance de prevenir o tratamento dessas patologias, sendo essa chance perdida o objeto da indenização”.

Inúmeras outras circunstâncias podem dar ensejo à responsabilidade civil pela perda de uma chance. Na área médica, por exemplo, é muito comum o pedido de indenização pela perda da chance de cura em razão de doença tratada de maneira inadequada pelo médico. No âmbito jurídico, não é diferente: o advogado constituído nos autos que perde prazo processual dá ensejo ao ajuizamento de ação por parte do cliente para pleitear indenização pela perda da chance de vitória judicial.

Como se vê, os exemplos práticos que podem ilustrar o assunto não encontram limites. No entanto, para que se possa pretender ingressar no Poder Judiciário para pleitear indenização pela perda de uma chance, deve haver prova robusta de que a chance é séria e real, não podendo se tratar de meras conjecturas ou ilações.

Assim, aquele que almeja ser indenizado em razão de um ato ilícito que lhe retire uma oportunidade de obter um benefício ou de evitar certo prejuízo, deve demonstrar em juízo que o resultado perdido tinha não só possibilidade, mas também probabilidade suficiente de ocorrer, ficando afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória, tendo em vista que o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, não é indenizável.

Importante notar que a teoria da perda de uma chance não exige, para a sua aplicação, a comprovação da existência do dano final, bastando prova da certeza da chance perdida, pois esta é o objeto de reparação.

Bem por isso essa teoria é considerada uma nova categoria de dano em sede de responsabilidade civil, não se confundindo com dano material, dano moral, ou até mesmo com lucro cessante. Ao contrário dessas modalidades de dano, que decorrem de prejuízo direto à vítima, a teoria da perda de uma chance tem por objeto da reparação a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, o que deixa claro que o direito à indenização não decorre do resultado perdido, mas sim da impossibilidade de consegui-lo.

E é exatamente a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo que deve ser levada em conta no momento da quantificação do dano pelo Judiciário. Assim, o montante fixado a título de indenização pela perda de uma chance deve ser sempre menor do que o valor arbitrado para os casos em que efetivamente houve perda do resultado.

Como se vê, a teoria da perda de uma chance, embora se mostre plenamente admissível em nosso ordenamento jurídico, deve ser pleiteada pelo prejudicado com muita cautela, apenas nos casos em que a chance perdida se mostre verdadeira e plausível, já que o Poder Judiciário só pode aplicá-la dentro dos limites dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Por Lilian Regina Ioti Henrique Gaspar, advogada, especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; e sócia do escritório Henrique & Gaspar Sociedade de Advogados.

 

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